O desembargador federal Rogerio Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), decidiu ontem que a União e a Fundação Nacional do Índio (Funai) devem iniciar os estudos antropológicos e complementares de identificação e delimitação de áreas de ocupação tradicional indígena na Ponta do Arado. A decisão foi proferida na quinta-feira, 13. As ações para delimitar a área devem ser iniciadas no prazo máximo de 30 dias, sob pena de multa diária de R$ 100 para o caso de descumprimento das determinações. O local atualmente é ocupado pela Comunidade Guarani, mas a posse da área está sendo disputada judicialmente com uma empresa de empreendimentos imobiliários. A liminar atende a um recurso interposto pelo Ministério Público Federal (MPF).
Em julho de 2019, o órgão ministerial ajuizou uma ação civil pública contra a União e a Funai requerendo que a Justiça determinasse às rés que iniciassem e concluíssem, em tempo hábil, os procedimentos administrativos de identificação e delimitação de áreas indígenas na localidade. No processo, o MPF alegou que há morosidade em realizar a regularização das terras, apontando que, em razão disso, há a continuidade do conflito possessório na região.
Segundo o autor, a disputa pode ser solucionada mediante a constatação de que a terra ocupada pelos Guarani possui a tradicionalidade indígena, através da elaboração de estudo antropológico e historiográfico de competência da Funai. De acordo com o MPF, o processo administrativo para regularização da área encontra-se ainda em fase de “qualificação das reivindicações”, uma etapa preliminar à realização dos estudos para a demarcação das terras indígenas. As pesquisas somente poderiam começar após a constituição de grupo técnico multidisciplinar responsável pela elaboração.
Foi requisitada a antecipação de tutela judicial para que o estudo antropológico de identificação fosse logo iniciado e que, existindo necessidade, fosse designado grupo técnico especializado para realizar estudos complementares de natureza etnohistórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários à delimitação.
A 9ª Vara Federal de Porto Alegre, em dezembro do ano passado, indeferiu a concessão de tutela antecipada, negando os pedidos. O MPF recorreu ao TRF4.
No recurso, sustentou que a decisão da primeira instância mantém a inércia da União e da Funai, afirmando que a primeira não fornece estrutura orçamentária para que a segunda promova a regularização fundiária.
Defendeu que a demora prejudica indevidamente o livre exercício das tradições culturais dos Guarani sobre suas terras. Ainda ressaltou que a existência de conflitos na região, gera medo e apreensão entre os envolvidos e insegurança no local, dada a forma precária em que se encontram os indígenas da Ponta do Arado.
O desembargador Favreto, relator do caso no tribunal, deu provimento à antecipação de tutela.
A decisão liminar do magistrado determinou às rés o seguinte: realização do estudo antropológico de identificação, a ser desenvolvido por antropólogo de qualificação reconhecida no prazo máximo de 30 dias; designação de grupo técnico especializado, composto preferencialmente por servidores do próprio quadro funcional, coordenado por antropólogo, com a finalidade de realizar estudos complementares de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários à delimitação; finalização dos trabalhos de identificação e delimitação, no prazo máximo de 90 dias, contados da data da constituição do grupo técnico; observação, durante todo o procedimento administrativo, das regras do Decreto nº 1.775/1996, especialmente os seus prazos e a exigência da participação do grupo indígena em todas as fases; cobrança de multa diária de R$ 100 para o caso de descumprimento das ordens.
Fundamentação
Favreto considerou que, pela análise do conjunto probatório até então presente nos autos, deve ser concedida a tutela pleiteada. “O MPF logrou êxito em demonstrar que, até o momento, o processo administrativo não foi impulsionado pela Funai. Embora tenha sido distribuído no ano de 2018, até o momento não tomou providências para a finalização da qualificação da reivindicação, tampouco constituiu grupo de trabalho multidisciplinar para os estudos de demarcação. Há verossimilhança nas alegações do autor”, ele frisou.
“Resta comprovada a urgência da medida, tendo em vista a situação precária e os conflitos decorrentes da posse pelos indígenas no local denominado Ponta do Arado. Acresça-se que este relator efetuou inspeção judicial no local, no dia 04/12/2019, a fim de verificar as reais condições de acesso dos indígenas, constatando a precariedade da sobrevivência, com dificuldade de acesso inclusive à água potável”, declarou o desembargador.
O relator concluiu reforçando que, de acordo com a situação fática, estão presentes os requisitos para a antecipação da tutela recursal.